A Mulher sem paciência e a Espera

Não, a paciência não lhe servia. Experimentou vários tamanhos, antes de entrar em casa, mas nenhum lhe passou na cabeça. Teria talvez um perímetro cefálico muito grande para a paciência. Por isso, entrou nua. Exatamente como veio ao mundo, sem paciência. Não sabia de quantos dias se serviria a Espera, mas sabia que só a paciência, esse fato à prova de fraquezas, a protegeria dos males de quem aguarda sem data. 

Entrou em casa sem nada e começou a bulir. Percorreu, sem cansaço, todos os compartimentos, abriu e fechou armários, reuniu e livrou-se do que já estava gasto, organizou o que ainda tinha vida e descansou. Logo, logo a Espera se ausentaria, pensou. Mas, a Espera tinha tempo e deixou-se ficar. Sentou-se no sofá e começou a falar. Primeiro, ela ignorou-a. Continuou a abrir e a fechar armários, a correr os compartimentos e a desorganizar o que já estava organizado, só para não ter de se sentar junto dela. Nada apoquentava a Espera, ela sabia esperar, ria-se. “Senta-te ao meu lado!”, dizia à mulher em paciência. 
E a mulher sem paciência respondia que não podia, que outras coisas urgia fazer. Já nada havia que carecesse de trabalhos, mas, sem paciência, a mulher, ocupava-se do nada. Tudo menos ficar sentada, no sofá, com a Espera. A Espera ainda assim falava. Falava alto para que a mulher a ouvisse. E a mulher fazia-se ruído. Ligava a TV, a máquina de lavar roupa, a máquina de lavar louça e cantava. Talvez o barulho ensurdecedor, que agora a casa produzia, a impedisse de ouvir o que a Espera palrava, sentada confortavelmente no sofá. “Não há meio de (ex)terminar a Espera!”, pensava a mulher sem paciência. Ela nunca tivera desejo de matar o que fosse, mas a Espera tirava-a do sério. Não gostava da sua companhia. Sempre que, por força das circunstâncias, tinha de se cruzar com ela, numa fila de trânsito, no posto médico ou na mercearia, a Espera consumia os pensamentos da mulher. “Não é boa companhia!”, pensava. Agora, em casa e sem data marcada para a visita se ir embora, a mulher obrigava-se a esta inoportuna convivência. A Espera sorria, a sonsa. Era um teste à paciência que não lhe passava na cabeça.

Certo dia, mais cheia do nada do que da Espera, a mulher sem paciência rendeu-se e sentou-se no sofá. A Espera fez-lhe companhia. Falava-lhe, num monólogo pausado, característico de quem tem tempo, sobre a vida, sobre o passado, sobre o futuro e perguntava â mulher sem paciência: “O que pensas sobre isto?”. A Mulher rosnava como um bicho e não respondia. Por vezes, adormecia. Preferia dormir a pensar. Mas, a Espera obrigava-a, ponto de interrogação atrás de ponto de interrogação, a pensar. A antecipar cenários, a desenhar hipóteses, a ver-se mais à frente, quando, por fim, a Espera se ausentaria. De tanto dormir, a mulher ficou sem sono. De tanto rosnar, a mulher ficou sem raiva. De tanto se emudecer, a mulher falou. Falou com a Espera, as duas sentadas no sofá, enquanto tricotava palavras. E, à medida que falavam sobre tudo o que era da vida, a mulher foi costurando a sua própria paciência, uma paciência que lhe passava no perímetro cefálico e vestiu-a. Sem medo da companhia, a mulher serviu chá à Espera e as duas aguardaram.

Preciso de partir

Tantas vezes deixarei de morrer, para que não partas.