2020

Entrar atordoada em 2020.

Sair atordoada de 2020.

2020 ensinou-me:

(embora e apesar de tudo, eu tenha sido uma péssima aluna)

não importa o quão grande e genuína é a tua força de vontade

não importa o quão merecedora te sintas ou legitimamente te possas considerar

não importa que sejas boa pessoa ou faças o bem, sem segundas intenções

não importa que tenhas planos.

No minuto seguinte, após este minuto que agora passa, quem decide o que vai acontecer não és tu.







Tua

Se sair do teu pensamento, entende que me escapei de ti, só para te poder abraçar

Sente


Escombros

Não escolhi desmoronar
Não vou fitar os meus escombros
Pó, destroços e pedaços de mim.

O que puderei encontrar na destruição que sou?

Não escolhi desabar
Não me peças para mexer no entulho
Escuridão, silêncio e morte em mim. 

O que poderás encontrar na destruição que sou?






Destino

nos momentos de dor

no fim, que se vai anunciando

quando a minha voz for contra mim ainda mais amarga 

por aqui, descansarei.

com as minhas palavras escritas sobre ti contra o peito, como um bálsamo.

Força

Queres ser o chão firme, onde caminham, correm, dançam e saltam aqueles que amas. Queres ser alcatrão, um piso liso e livre de obstáculos. Mas, sabes, os que amas também caem e, porventura, se fores um chão lamacento nesses momentos, talvez a queda lhes doa menos.

És forte, mesmo quando és frágil.

Amor à mão

Que me importa que estejas longe da vista, o que preciso é de te ter à mão

Na mão
Com a mão
Pela mão
Mão com mão
A quatro mãos

Se o amor é cego, que mal tem?
Não preciso dos olhos para te ver.
Tenho um corpo. E tenho pele. E tenho pernas. E tenho pescoço. E tenho cabelo. E tenho língua. E tenho boca.

E mãos para te ver.

Espanto

Vamos morrendo de espanto. Primeiro, em retalhos. No fim, o todo que resta. Num caso como noutro, o espanto é o gatilho.

O espanto é uma morte fértil. Não é semente daquilo que o causa. Mas, cava sulcos na terra que somos e fertiliza-os.

Repara, se me espanta não receber notícias tuas, não é por me espantar que elas chegarão. Portanto, o espanto vai aniquilando uma certa esperança, abrindo um espaço, que antes não existia, para algo novo.

O espanto é um fantasma, que se destapa, um susto, que enche os pulmões, algo inusitado, que não se deseja, mas que encaixa. 

O espanto é um perecer em brando lume, a ferver, que não se esgota.

A súbita consciência de um fogo inexistente, que abrasa, sem cessar, coração de quem o sente. 

O espanto congela a veias, mas não pára o coração.

O espanto é uma morte lenta e um começo voraz.  É o momento que antecede um fim e um início simultâneos.

É o espanto que nos mata, para que possamos viver.

Espantemo-nos então.







Presente

Estou aqui.
Contigo presente.
Sempre.
Mesmo que os sonhos sejam tremendos,
E as noites me assombrem com medos,
Em cada madrugada receber-te-ei no meu coração.
Sempre.
Estarei aqui.

Distância

Estar distante é diferente de ser distante.
Não estamos próximos, mas somos próximos.

Os locais que nos apartam, não desagregam. Mas, eu prefiro quando a geografia dos nossos corpos se funde.

Desacelerar

A vida é uma viagem de carro.
Tu és o condutor.
Reduz. 
Se não conseguires, estarei no lugar no passageiro com a mão no travão.
Pronta para puxar.


Verdade

Há só uma? Quando procuramos a verdade não estaremos já equivocados por crer na sua singularidade? Não seria mais sensato procurar verdades? 

Uma verdade pode ser plural? E escalável? A verdade que me serve, serve a todos (a toda a humanidade) do mesmo modo? 

A verdade é polarizável? Cumpre o princípio da polaridade positiva e negativa? Se a verdade estiver num grupo/contexto/pessoa, não está jamais em outro que se lhe oponha? O que está no outro então? A mentira?

Se te amar for a minha verdade, significa que estarei a viver uma mentira em tudo o resto que se oponha a este amor?

Não viver

Permitimo-nos viver, mesmo considerando que este não é o tempo certo. Mas, que outro tempo tivemos? Onde é que já existimos como agora somos? Que tempo virá, em que seremos o que somos hoje? Não houve Passado "assim" e não sabemos se haverá um Futuro para este "assim". 

Formulo, continuamente, argumentos, como se, todos os dias, estivesse em julgamento, para me convencer de que não havia outra alternativa. Mas, havia: Não viver. 

Não viver para sofrer. Sofrer por não viver.

E, contudo, vivemos e sofremos. Juntos.

O sofrimento não é uma contingência.

Saudade

Não tenho sempre o que escrever...
Às vezes, só tenho o que sentir...
Saudade

Mais cedo

Se eu pudesse mudar,

Mudava o meu poder

Para

Poder ser isto que somos

Num instante mais atrás

Nesta vida

Mais cedo


Assincronia

Assincronizamos a fome e o contentamento. 
O longe tornou-me deficitária e o perto não me creditou. 
O mesmo comprimento de onda, às vezes, não é surfável para ambos. 



Acalmia

Vale-me esta trégua periódica. A acalmia entre tempestades. 
O coração aliviado da dor para te amar livre.

Gosto destes dias. 

Luz, escuridão e sombra

Antes de me aconteceres, era nisto que acreditava:
"A luz expõe.
A verdade é luz.
Por oposição, a escuridão esconde.
A mentira é escuridão."
Antes de nós, ignorava a sombra.
E a sombra existe, não sendo luz nem escuridão. A sua verdade é outra. É crepúsculo e aurora. Não esconde, mas também não expõe. Nela se vislumbra, ainda que timidamente.
Eu acreditava que a claridade sobre as pessoas e as suas circunstâncias era sinónimo de verdade. Se podemos ver, se se encontra assim, sem vergonha, iluminado, é porque é verdadeiro. O que à luz não se pode expor e na escuridão subsiste, é mentira.
No entanto, na Natureza, é sobre a sombra que muita Flora nasce e morre. E há outra que só vinga mesmo na escuridão mais profunda. Olhemos para o fundo do mar, onde a luz não chega e uma rica flora aquática reina. É o seu ciclo de vida. É a sua verdade. Se as suas circunstâncias mudam e a luz a invade, ela perece.
Talvez seja assim connosco. Talvez a luz nos mate. Talvez a luz que expõe cruamente, nos seja nociva.
Eu queria-nos essa luz, mas somos sombra.
Eis a nossa verdade: somos a sombra bela de um fim de tarde e a sombra bela de um amanhecer.

Sombra

 Nada de bom emerge na sombra... nisto cria, antes de nos querer. 


Preciso de partir

Tantas vezes deixarei de morrer, para que não partas.